segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Arquiteto – o profissional do futuro



O projeto de edificações apresenta-se, hoje, em um nível de exigências sem precedentes; as demandas por edifícios mais confortáveis, seguros e, ao mesmo tempo, com consumo reduzido de energia e de água, associados a um menor impacto sobre o ambiente, são globais.  Na Construção Civil, a sustentabilidade ambiental não pode mais ser considerada como um movimento marginal e deverá, certamente, continuar a crescer nesses próximos anos, demandando assim novas mudanças.  Em meio a esse processo de transformação rápido e intenso, as formas tradicionais de se conceber e de se desenvolver projetos já se tornaram obsoletas e os papéis a serem assumidos pelos arquitetos alteram-se continuamente.

É necessário, antes de tudo, entender que os arquitetos, na sua atuação como profissionais de projeto, apresentam um triplo papel no segmento de projetos de edificações:

• Arquitetos inserem-se no grupo profissional ao que estão associados e de cuja cultura e estratégias compartilham;
•  Arquitetos inserem-se em empresas de projeto às quais eventualmente pertencem, possuindo vínculos e afinidades com um grupo de profissionais e seu líder;
•  Arquitetos inserem-se também nos empreendimentos dos quais seus projetos são parte, e em cujas equipes estabelecem-se relações temporárias com outros agentes.

No primeiro papel, situado no plano profissional, desenvolvem-se mecanismos de formação de postura frente ao trabalho, onde se situa parte das regras de comportamento, e mecanismos de caráter corporativista. 

No segundo, podem-se encontrar todas as características de uma relação entre indivíduo e organização, envolvendo divisão de tarefas, distribuição de papéis, contribuição-retribuição e regulação entre indivíduos; essa inserção tenderá a ser tanto mais predominante quanto maior a organização e, conseqüentemente, o número de indivíduos que se relacionam.

Já no terceiro tipo de inserção, vinculada ao empreendimento, situam-se relações que, complementarmente às de empresa, mas não obrigatoriamente com a mesma intensidade, explicarão suas motivações frente às atividades e seu engajamento diante dos objetivos em comum. Aos fatores presentes nessas três esferas grupais, somam-se os fatores “ambientais” que são próprios do setor da construção de edifícios.

E, no desempenho das atividades de projeto, podemos afirmar que surgem freqüentemente “zonas de incerteza” – técnicas, comerciais, humanas e financeiras –, solicitando o exercício da autonomia e estimulando a construção de métodos e posturas para enfrentá-las, fazendo uso principalmente do julgamento individual, com maior ou menor eficácia, segundo o contexto.

Tais relações, longe de atingir naturalmente o equilíbrio de conjunto, tendem a disputar entre si o maior engajamento dentro da inserção do indivíduo (projetista) neste ou naquele papel, face aos demais. Assim, muitos profissionais estarão, ao mesmo tempo, mas com diferentes pesos ou níveis de empenho, pressionados a se dedicarem às ações sindicais e de defesa das atribuições profissionais, à evolução das condições de produção e de integração entre indivíduos no escritório e ao trabalho conjunto com empreendedores, engenheiros, fornecedores e empreiteiros ligados a uma determinada obra.

Essa leitura do problema procura explicar a notória dispersão de objetivos que se encontra no exercício da profissão pelos indivíduos ou grupos. Não é, portanto, de se estranhar que uma parte dos projetistas, assim, se mantenha alheio a várias dessas pressões, acreditando serem elas passageiras ou de menor relevância face ao seu “verdadeiro” papel como profissionais.

O projeto não pode ser entendido como entrega de desenhos e de memoriais; muito mais do que isso, espera-se que o projetista esteja, antes de mais nada, comprometido com a busca de soluções para os problemas de seus clientes.  Esse tipo de prestação de serviço, de natureza intelectual, deve estar orientado não apenas ao cliente-contratante, mas também aos clientes-usuários e ainda a todos os clientes internos, como é o caso das empresas construtoras.

Na prática, muitos arquitetos rejeitam as pressões pela inserção da sua atividade profissional nos ambientes que praticam a gestão empresarial, por convicção de serem conceitos incompatíveis com a “qualidade arquitetônica”; enquanto isso, alguns poucos vêem na sua adoção a oportunidade de recriar as relações entre os agentes, palco de tradicionais dificuldades. Lembramos, quanto a esse ponto, que a formação dos arquitetos e engenheiros, ainda que ampla, fornece-lhes poucos instrumentos para enfrentar a complexidade e diversidade de situações ligadas à sua atividade, sendo elas, em boa parte, tratadas a partir da subjetividade ou da experiência pessoal.

É, portanto, essa a tese que defendemos: a adoção de métodos de gestão da qualidade pode ser tratada como uma oportunidade estratégica para a revalorização do profissional de arquitetura; tal revalorização, no entanto, exige mudança de métodos!
Sob essa ótica, afirmamos que esse arquiteto “do futuro”, preparado para atuar como gestor e não apenas criador, dedicado a obter a máxima satisfação de seus clientes, a incrementar a eficiência e eficácia de seus processos de projeto e a integrá-los com as atividades dos demais agentes, esse profissional terá um papel muito relevante a cumprir na sociedade industrial do século 21.

A gestão de empresas de projeto de arquitetura

A partir de diversas experiências com gestão da qualidade em empresas de projeto, no Brasil e no exterior, constatou-se que as deficiências de gestão da qualidade nas empresas de projeto de arquitetura concentram-se no tratamento das relações com o contratante, na gestão do conhecimento, na documentação em geral e na comunicação interna e externa, dada a informalidade pela qual se processam.

Entende-se que os requisitos essenciais para a qualificação de uma empresa de projeto, de modo geral – e da empresa de projeto de arquitetura, em especial, estão ligados à sua capacidade de considerar efetivamente os requisitos do contratante e demais agentes envolvidos em seus projetos, registrando as informações recebidas de todas as possíveis formas, estabelecendo um programa de necessidades, mantendo contato efetivo com as necessidades da execução, etc.; e também à confiabilidade na prestação de serviço, seja quanto ao cumprimento de prazos, seja quanto à qualidade da informação contida nos projetos, à disponibilidade e à capacidade de resposta do projetista, quando solicitado.

As empresas de projeto detêm uma grande quantidade de informação e conhecimento em potencial, porém, carecem de procedimentos adequados de gestão do conhecimento. Com freqüência, a experiência constitui a principal referência para o desenvolvimento do projeto, aspecto que pode inibir a inovação e a captura das necessidades dos clientes, e tornar-se incentivo à proposição de soluções preconcebidas. 

A retroalimentação constitui um mecanismo de aprendizagem organizacional, cujo objetivo consiste em identificar, documentar e comunicar os erros cometidos, proporcionando oportunidades para melhoria contínua dos produtos e serviços do escritório. Informações podem ser coletadas junto a clientes, construtores, usuários e gerentes prediais por meio de formulários, entrevistas, telefonemas, avaliações da satisfação e avaliações pós-ocupação. Os projetistas devem apropriar ainda as manifestações espontâneas, tais como reclamações e solicitações de esclarecimento por parte dos clientes.

É importante dispor de um sistema simples e eficaz de classificação e identificação da documentação de projetos desenvolvidos, sistema esse comunicado ao contratante e por ele aprovado, e de conhecimento dos demais envolvidos com o projeto em questão (como, por exemplo, outros projetistas ou demais agentes do empreendimento). As alterações de projeto devem ser claramente identificadas e devem ser mantidos registros para garantir a sua rastreabilidade.


Da mesma forma, a comunicação interna ou externa que envolva dados e informações diretamente relacionados com o projeto, fornecidos em qualquer mídia e ocasião, deve ser alvo de registros, controlados com o objetivo de encaminhar de forma adequada tais dados e informações e assegurar retorno apropriado ao Contratante, sempre que for demandado, e no menor prazo possível.

Enfim, aqui trazemos apenas algumas idéias fundamentais, pretendendo-se com isso estimular os profissionais de arquitetura a praticarem processos de gestão. Uma experiência muito interessante no desenvolvimento de capacitação gerencial para empresas de projeto tem sido conduzida na Escola Politécnica da USP, desde 2006, com resultados muito positivos. Um evento realizado em junho de 2007, denominado  Soluções para Empresas de Projeto - Uma nova visão sobre gestão - Casos reais (http://empresasdeprojeto.pcc.usp.br/) trouxe a público as soluções implementadas pelos empresas de projeto participantes dessa experiência.

Considerações finais

Os métodos de gestão adotados para a gestão de projetos serão cada vez mais decisivos para o sucesso dos profissionais e dos empreendimentos dos quais participam e, sem sombra de dúvida, os currículos das escolas de Arquitetura deveriam colocar maior peso na formação voltada a essa atividade.

No entanto, a necessidade de conhecimentos e habilidades em gestão não deve ser, simplesmente, colocada como uma exigência de competência individual; uma formação mais técnica e mais voltada à gestão será cada vez mais útil aos arquitetos, mas também a configuração organizacional para a empresa de projeto está em evidência.

Assim, a gestão da qualidade deveria ser apresentada aos futuros arquitetos durante sua formação, visando oferecer-lhes a alternativa de mudança de postura face à qualidade, proporcionar-lhes o embasamento praticar o emprego de ferramentas de gestão na melhoria do processo de projeto. E, no exercício profissional, as empresas de projeto deveriam estar atentas à contínua capacitação de suas equipes, com relação ao tema. 

A “distância” entre o arquiteto “do passado” e o arquiteto “do futuro” reside basicamente em uma diferença de postura, associada a um novo conjunto de conhecimentos. Dentro desse enfoque, encontra-se a boa notícia: transpor essa distância está ao alcance de todos. 


* Texto extraído e adaptado de Melhado (2001) e de Melhado; Cambiaghi (2006) – consultar dados completos da referência na seção Referências Bibliográficas.

Referências Bibliográficas

MELHADO, S. B. Gestão, cooperação e integração para um novo modelo de gestão do processo de projeto na construção de edifícios. Tese (Livre-Docência), Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2001. 235p.

MELHADO, S.B.; CAMBIAGHI, H. Programa Setorial da Qualidade e Referencial Normativo para Qualificação de Empresas de Projeto. 37p. Disponível em: http://www.pcc.usp.br/silviobm/ 

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